

A perseguição sofrida por Isis Valverde, revelada em reportagem exibida no Fantástico, reacende um debate que já ultrapassa o universo das celebridades e alcança milhares de mulheres anônimas no Brasil. Dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública indicam que ao menos dez mulheres são vítimas de stalking por hora no país, um número que cresce na mesma velocidade da hiperexposição digital e da dificuldade de estabelecer limites nas relações.
O tema ganha ainda mais força após outros relatos recentes, como o do ator Marcos Pitombo, que precisou alterar radicalmente a própria rotina depois de episódios de perseguição contínua. A repetição desses casos evidencia que o stalking não se resume a insistência ou admiração exagerada. Trata-se de um comportamento sistemático, invasivo e potencialmente perigoso, que envolve controle, vigilância e, em muitos casos, escalada para ameaças reais.
Para a psicanalista Ana Lisboa, o stalking revela um vazio emocional profundo que encontra nas redes sociais um terreno fértil para se desenvolver. “A perseguição nasce quando o outro deixa de ser percebido como sujeito e passa a ser usado como fonte de sentido, validação e pertencimento. A tecnologia não cria esse comportamento, mas amplia e acelera algo que já existe psiquicamente”, afirma.
Segundo Ana, o perigo está justamente na normalização dessas condutas. Curtidas excessivas, mensagens insistentes, tentativas de contato recorrentes e a sensação de direito sobre a vida do outro costumam ser minimizadas no início, tanto por quem sofre quanto por quem observa. “O stalking raramente começa com violência explícita. Ele se constrói no detalhe, na repetição e na ausência de freios sociais claros. Quando o limite aparece, muitas vezes ele já foi ultrapassado há muito tempo”, explica.
Especialistas em segurança e saúde mental alertam que o impacto da perseguição vai além do medo imediato. Mulheres vítimas de stalking relatam alterações de rotina, isolamento social, prejuízos profissionais, crises de ansiedade e sensação constante de vigilância. No caso de figuras públicas, o risco se amplia pela dificuldade de separar vida pessoal e exposição profissional, o que exige medidas extremas de proteção.
A repercussão dos casos recentes também expõe um desafio institucional. Embora o stalking seja tipificado como crime no Brasil desde 2021, a subnotificação ainda é alta e muitas vítimas encontram obstáculos para registrar ocorrências e obter medidas protetivas eficazes. “Enquanto a sociedade tratar a perseguição como exagero ou fragilidade emocional da vítima, o ciclo se repete. O enfrentamento passa por educação emocional, responsabilização legal e escuta qualificada”, pontua Ana Lisboa.
O debate que emerge agora, impulsionado pela visibilidade de artistas, lança luz sobre uma realidade cotidiana vivida por milhares de brasileiras. O stalking deixa de ser uma pauta episódica e se consolida como um tema urgente de saúde mental, segurança pública e cultura digital. Ignorar os sinais iniciais custa caro, individual e coletivamente.
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